quarta-feira, 22 de abril de 2009

Uma noite no Arpoador

Por Miriam Martins




Noite de sexta feira costuma causar certa alegria nas pessoas, principalmente para aquelas que trabalham a semana inteira e rezam para chegar a quinta, pois é véspera de sexta, o dia “D”. Para uns o dia que representa usar um traje casual ou um jeans confortável, outros podem dispensar a prisão da gravata ou até usar um tênis mais arrojado. E isso não é diferente para Horácio, um executivo de uma empresa multinacional que precisa trajar-se socialmente durante toda a semana. Ele como um bom carioca, que vive nessa cidade maravilhosa com muito sol e calor, também é fã de uma boa sexta-feira e isso lhe causa aquela excitação que antecede o fim de semana, que nós cariocas sabemos bem o que quer dizer. Para ele significa ir mais cedo para casa ou até, quem sabe, parar num boteco em Ipanema, perto de seu apê e tomar umas com os amigos e isso parece muito saudável, quando se tem uma mulher compreensiva. Uma mulher que sabe entender as necessidades do marido e compreende o seu atraso na sexta-feira. Mas isso foi ficando constante, tomando uma proporção incontrolável. Horácio começou a chegar tarde nas noites de quinta, depois às terças e aí não parou mais. Era o futebol com o pessoal da repartição na segunda, a pós-graduação na terça e na quinta e como se não bastasse, na quarta ele arranjou uma sinuca na Lapa, com os antigos amigos da faculdade, sobrando apenas as sextas para o tradicional chopinho no bairro. Lucília sua mulher, até compreendia no início, mas depois, com toda essa freqüência social do marido, começou a arranjar pretextos para não acompanhá-lo nos finais de semana, como uma ida ao teatro ou cineminha. Preferia a companhia das amigas em uma danceteria, um bingo ou até para uma pizza e isso deixava Horácio irritado, pois acabava ficando sozinho. Detesta as amigas da mulher e tão pouco aprecia noitadas dançantes. Acabava assistindo um filme na TV e dormindo no sofá. Isso estava acontecendo com muita frequência. E foi exatamente em uma noite de sexta-feira que ele resolveu dar um basta nesta estória de cada um ir para um lado, isso não podia mais continuar assim e resolveu parar no bar em Ipanema, seguindo direto para casa, antes que fosse tarde e não pegasse mais ela em casa.
Abriu a porta do elevador e sentiu uma fragrância diferente no ar, parecia um perfume de mulher, mas não era o de Lucília. Pôs a chave na porta e notou que ela se abriu, não estava trancada como de costume. Entrou e notou que estava acontecendo uma pequena reunião das “amigas” de sua mulher. Havia copos pela mesa de centro e cinzeiros abarrotados, embora ele não fumasse, pelo contrário, detesta cigarros. Tentou disfarçar seu desapontamento com aquela cena cumprimentando alguns rostos já conhecidos e chamou Lucília no canto da varanda para conversar. Ela disse que não sabia que hoje, logo hoje ele viria mais cedo do que de costume e completou dizendo que caso ele preferisse, elas poderiam sair para outro lugar, um barzinho ou restaurante. Mas isso o deixou ainda mais nervoso, causando aparente ira em seu semblante. Ela ficou bastante chateada, mas foi até a sala e pediu que as amigas fossem na frente, pois estava com um probleminha em família para resolver. Elas entenderam a situação e partiram, deixando a casa toda bagunçada e salgadinhos nos pratos. Discutiram muito, ao ponto de Lucília tirar a aliança do dedo e devolver a Horácio e ele juntou as duas, jogando por cima da cômoda do quarto. Saiu, bateu a porta, pegou o carro e parou no lugar mais bonito do Rio, na opinião de Horácio, o canto do Arpoador. Sentou na pedra, tirou os sapatos e ficou por um bom tempo, apreciando a mais bela paisagem de toda a cidade. Mas havia a mulher, que passava. Não saía de sua cabeça aquela cena em casa. A mulher que chegara é linda, pele clara, muito diferente de tudo. Sentou ao seu lado e por alguns instantes o fez esquecer de todo aquele desentendimento anterior da rotina e cotidiano conjugal. Ela conseguia fazê-lo chegar ao ápice de prazer e excitação, tocando sua nuca carinhosamente, ela sabia como fazer isso. Seus corpos se entrelaçaram durante um bom tempo e os dois se entendiam numa linguagem clara e atraente. Êxtase completo. Era como ele se sentia naquele momento. Houve um silêncio depois daquele maravilhoso ballet e ela o deixou. Partiu arrancando com o carro em alta velocidade, sumindo na curva da Vieira. Ele estava afoito, correndo para tentar pegar os sinais verdes, mas parecia que todos resolveram fechar para Horácio. Precisava chegar logo em casa, vê-la, ou será que foi ao encontro das amigas. Dúvida. Não podia perdê-la, não agora. Tinha planos. Chegando ao prédio, finalmente, estacionou. Ora, mas porque o elevador tem sempre que estar subindo quando você acabou de chamá-lo? Subiu, abriu a porta, procurou por toda a casa. Ela estava no escuro, com apenas uma vela acesa e uma garrafa de vinho na mão. Foi até a cozinha e pegou duas taças. Continuaram a repetir o ballet do “canto”.
- Ah, o arpoador, é sempre tão magnífico! Hoje ele estava lindo, você viu? – Disse, quebrando o silêncio de quase meia hora, com o raiar do dia já descendo pela janela do quarto.
- Sim. Estava verdadeiramente belo. Ela respondeu, após beber mais um gole do vinho.
- Precisamos dormir. Falou sonolento.
- Preciso descansar para estar inteiro no churrasco do Beto lá da pelada do posto seis, hoje à noite. Você deve se lembrar dele, barulhento, animado, flamenguista doente...