segunda-feira, 25 de maio de 2009

"Romeu"




Por Miriam Martins





Após passar a última prega do terno azul, separou cuidadosamente as meias e os sapatos já lustrados e pendurou a camisa branca no cabide. Deixou tudo pronto para o evento à noite e saiu pelo corredor do apartamento de duzentos metros quadrados, localizado no melhor ponto da cidade. Encontrou Maria Julia já vestida para a escola e o Bruninho com o livro na mão, precisava tirar dúvidas sobre o dever de casa. Lavou a louça do café da manhã e pendurou as roupas no varal da área de serviço. Lembrou que estava sem empregada e telefonou para o serviço de babás a fim de conseguir uma para lhe cobrir durante sua ausência e também no horário noturno.
Arrumou a merenda da filha, organizou a lista de compras e deixou as crianças na escola. Precisava passar no supermercado na volta. Carregou o porta-malas com frutas, bebidas, sorvete e verduras, além dos congelados, que podiam ser assados no microondas como uma refeição rápida. Passou pela rua da carpintaria e estacionou. Lembrou que precisava acertar com o marceneiro que consertou a fechadura da porta da suíte. Retirou uma nota de cem reais e pagou a conta de setenta, deixando o troco de gorjeta. Passou na padaria da esquina e comprou pães frescos, queijo e presunto.
Guardou todas as compras na geladeira e preparou um pudim de leite para a sobremesa das crianças. Atendeu sua mãe ao telefone e explicou que sairia para uma reunião demorada. Recebeu flores, leu o cartão e tratou de queimá-lo na chama do forno. Desenformou o pudim, salpicando-lhe a calda e levou à geladeira. Colocou água no jarro e arrumou as rosas vermelhas com cuidado. O interfone tocou e era a nova babá. Ela entrou e se identificou, já recebendo as instruções para o comando da casa. Apanhou os filhos na escola e deu conta de familiarizá-los com a nova empregada e seguiu para sua suíte. Precisava começar a se aprontar para mais uma grande noite. Tomou um espumado banho de banheira, fez hidromassagem e espalhou a loção pelo corpo. Prendeu os cabelos, vestiu o terno e calçou os sapatos. Despediu-se dos meninos com um beijo carinhoso e deu mais instruções para a moça, avisando que seus pais passariam para checar se as crianças estavam bem e ajudá-los com as lições de casa.
Desceu no elevador social perfumando-se com um aroma adocicado e soltou os cabelos que trazia sempre amarrados com rabo e elástico.
Com a pasta preta na mão e o celular a postos, atendeu a ligação e confirmou hora e local, desligando o aparelho e enfiando-o no bolso do palitó. Cumprimentou o porteiro que assistia um futebol na tv.
Acenou para o taxi que já o aguardava e indicou o caminho. Quarenta minutos depois, após enfrentar um razoável congestionamento, chegou enfim ao local estipulado. Avisou ao táxi para estar ali na hora combinada e pediu para que procurasse não se atrasar. Subiu os degraus da escada e se identificou ao porteiro que telefonou para o apartamento trezentos e um e autorizou a sua subida. Saiu do elevador e virou à direita, empurrando a porta. Pisou no carpete macio e lembrou-se que havia esquecido suas anfetaminas. Seguiu direto para o quarto onde encontrou o homem grisalho, de aproximadamente sessenta anos, já deitado na cama com um charuto aceso. Retirou seu palitó e calça, ficando apenas de cinta-liga, calcinha vermelha e sapatos de salto que trouxera na bolsa de mão. Mais alguns acessórios e pronto. Daria início ao ritual. Alguns minutos depois, muitos gritos, apetrechos para introdução e várias algemas, além dos fetiches de boca e frutas com geléia para realçar o sabor.
Já com o dia clareando e depois de todas aquelas loucuras carnais, o cansaço lhe abatia. Vestiu-se, pegou o cheque e os dólares com o senhor grisalho e desceu pelo mesmo elevador. Entrou no táxi e pediu para acordar somente na porta de casa.

Entrou e todos ainda dormiam. Dirigiu-se para o seu quarto sem fazer qualquer barulho e trancou a porta. Dormiu o melhor sono depois das cinco da manhã e só despertou com a Julinha batendo forte na porta. Olhou para o relógio digital e constatou que havia dormido demais. Passavam das onze e precisava deixar as crianças na escola. Pediu à filha que esperasse um pouco, mas ela insistiu perguntando: “... estamos prontos para a escola, papai. Venha rápido ou vamos nos atrasar...”