sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A busca




A busca

Era uma manhã ensolarada de domingo e Guta resolveu levantar mais cedo para colocar tudo em dia, organizar o guarda-roupa, ir à feira e na volta passar na locadora para pegar um filme, uma comédia romântica, para dar uma variada no seu estilo policial em ação, como de costume. Trouxe flores para enfeitar a casa e morangos para degustar com creme durante o filme nada sugestivo.
Já de volta, ao cruzar com um belo rapaz alto e forte no elevador de seu prédio, trocaram algumas palavras. Ele novo morador e ela, cheia de sacolas, das quais ele apanhou algumas para ser cordial com aquela linda dama. E enquanto o elevador percorria os quase  quinze andares, até o topo da cobertura da gata solitária, ele pôde ler o título do filme em suas mãos e não se conteve com um elogio pela acertada escolha. O fofo não só já havia assistido, como já havia lido o livro, do qual pôde fazer um comentário que elogiava mais o trabalho literário do que o cinematográfico.
Já no andar da cobertura, Guta se despediu do moço e agradeceu com um entusiasmado sorriso mas não o convidou para entrar. E ele, ávido por um próximo encontro, disse morar no sexto andar, apartamento seiscentos e cinco e que possuía vários títulos similares e comédias românticas que a bela certamente adoraria. Despediram-se e Guta acompanhou o fechar da porta do elevador, ainda com o sorriso no rosto.
Voltou-se para a porta de entrada de seu apê e como num respirar fundo pensou que a vida ainda era chata e vazia. Havia muito o que fazer para organizar o seu dia. Ele não fazia o seu tipo, encantador demais, agradável demais, o dia seguinte seria segunda, teria que acordar bem cedo para dar uma boa corrida e depois seguir para o escritório e o pior, ele realmente gostava de comédias românticas. Pegajoso e excessivamente gentil!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

"Julieta" (O fascínio)




Parecia uma diva, dessas que são eternizadas pela simplicidade de sua beleza. Leve, como véu que voa ao encontro do vento, tornando o ballet ainda mais emocionante. Doce magia no olhar perdido e intrigante. O suave contorno de seu corpo atravessava a alma do jovem com ânsia de sentimentos efêmeros e paixões incondicionais. Convicção, medo, depressão, desespero. Amor impenitente. Fragilidade a exaustão. Descompasso da solidão que fere escandalosamente seu insidioso coração. Insípido silêncio que o torna egocêntrico na busca pelo prazer da carne. Tentativas incessantes de aproximação e o medo da entrega deixavam-no às cegas. Nesse momento alcançava o delírio do desejo e podia sentir calafrios por toda a nuca. Admirável, porém intocável. A impaciência o rodeava e sentia-se destemido. Encarava seus olhos e imaginava a consistência de sua pele, sentia a fragrância de seu corpo e lamentava mais uma vez a distância que os separava. Se ela soubesse de sua devoção, encontraria o túnel que os ligaria através da eternidade e o tornaria menos melancólico. A vida lhe faria sentido se pudesse alcançá-la. Sonhava em poder tocá-la, acariciá-la e dar-lhe vida através de seu desejo. Se ela pudesse imaginar sua imensurável admiração, compreenderia a necessidade de criar o elo para o encontro essencial que os uniria definitivamente. Sigilosa e imprevisível hesitação. Aprazível desassossego. Lúgubre submissão. Infortúnio afeto. Carência e abandono. Não havia outra definição para tal fixação. Apego ou ingenuidade. Tênue estímulo. Domínio herege sobre o ser que padece na imensidão de um inatingível e insensato sonho. Desolação. Intensa extravagância irônica do destino. Cálido sentimento, porém digno em toda a sua plenitude. Semente que brota da mais árdua rocha. Ilustre e inopinada sinfonia de anjos. A insignificância perante a grandeza do desejo da alma. Solene amargor da obsessão desenfreada. Abominável solidão e frenético desatino. Céu. Estrela cintilante que persiste em brilhar sem louvores, ainda que raie o dia e seja possível ouvir. Estrépito e insólito lamento. Insubordinável desejo. Expressão contida. Neura chancelada. Parcos momentos de sobriedade. Culpa. Ira. Reflexos isolados de insanidade. Pulsação veloz que comprime o lépido ser que espia. Desleal opressão que domina e castiga o peito e esconde a fátua realidade. Monótona insatisfação. Fascinação melancólica do amor platônico e irreal. Redenção. Desapego repentino. Calmaria. Absolvição. Lucidez. Podia passar horas, todo o dia observando, admirando e deleitando-se com aquela atraente pintura. Considerava o quadro mais perfeito de todos. As portas se fecharam, dando lugar à total escuridão. E com a luz do sol seria reaberto no dia seguinte, permitindo que Ruben recomeçasse seu longo ritual, realizando-se única e exclusivamente através da apreciação do quadro de Ruan Pablo Hermegé.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Pintura íntima (o ébano)








Por Miriam Martins


Sentada na escada de acesso ao Studio, Veronika tragava um de seus cigarros de canela e refletia sobre as contas atrasadas do mês anterior, enquanto aguardava a cliente que chegaria de Madrid. Ela ligou meio assustada, dizendo que pretendia fazer um quadro seu para presentear o namorado, um Francês inesquecível que conhecera em Paris. Após algumas horas de atraso, que resolveu esperar para levantar algum dinheiro, já que as vendas estavam fracas, começou a baixar as cortinas e trancar as janelas, colocando os ferrolhos e as roldanas. Percebeu um barulho de motor de carro subindo a ladeira e naquele horário era difícil alguém cruzar a estrada para Toulon, a 60 km de Saint Tropez, talvez na década de 60, quando Madam Bardot mudou-se para a ilha, revolucionando definitivamente a província de Côte d’Azur e tornando aquela vila um verdadeiro paraíso para o hedonismo de luxo. Tornou a girar a chave, seguiu em direção ao largo portão de ferro cinza e puxou a alavanca para olhar pela portinhola. Um homem alto, negro, de cabelos cortados e pernas longas com um lenço azul amarrado no pescoço abria a porta do carro para que a mulher branca, esguia de cabelos ruivos encaracolados na altura dos ombros descesse. Segurou em seu braço esquerdo e a conduziu até o portão cinza. Fechei a portinhola e abri, empurrando a maçaneta emperrada para fora.
- Maria Claudia? – Perguntou em voz alta, depois de apagar o último cigarro com a sola de sua bota, o que a fez lembrar que trabalharia por toda a noite, sem poder dar sequer um trago para aliviar o cansaço daquela interminável espera. A espanhola tratou de apresentar seu namorado, Jean Pierre. Veronika cumprimentou-o timidamente e sentiu suas maçãs ficarem rubras com um sorriso tão amigável e um aperto de mão tão incomum. Subiram a escada até o hall de entrada e Veronika acendeu alguns holofotes, respeitando a pequena penumbra que a inspirava pintar. Enquanto preparava as tintas e separava as telas novamente, repondo o que já havia guardado, percebia que o homem rodeava o Studio olhando seus trabalhos expostos e vez por outra fazia alguma pergunta irrelevante.
Começou a esboçar o que se tornariam traços aguçados das curvas da espanhola e a bela moça ruiva não se sentia envergonhada com sua nudez e sem se mover sequer um milímetro, a pedido da pintora, concentrava-se para não causar qualquer descompasso ou falha nos traços que Veronika desenhava. O homem a incomodava e Veronika sentia-se desconfortável com a presença daquele ébano em seu Studio. Ele fitava seus braços, suas mãos com o movimento do lápis e seus olhos fixos no manequim a sua frente. Ela rogava para que o fim chegasse e pudesse finalmente sair daquele transe, finalizando a encomenda. Já podia sentir o gosto da canela em sua boca e o cheiro da fumaça do seu cigarro em seu nariz. Terminou. Seu último rabisco havia sido dado. Definitivamente não achava que o trabalho havia sido concluído com êxito, mas aquela mulher nua em sua frente ficara deslumbrada com a pintura e extremamente sorridente com o resultado final, tratando de se vestir, após escrever uma extensa dedicatória ao homem, enquanto Veronika, no canto da sala, apanhava um pedaço do que sobrou de um velho cigarro no cinzeiro ainda não esvaziado. Pediu desculpas em voz alta, do outro canto da sala, explicando-se. Precisava realmente de um longo trago, depois de um trabalho duro. O homem acenou com a cabeça, indicando que não se importava e Maria Claudia tampouco conseguia notar algo que não fosse permanecer na vaidade de apreciar a pintura que segurava nas mãos.
- Lindo. Esplêndido. - Dizia ela, com certa felicidade e trazendo um brilho diferente nos olhos.
Veronika pensava que não podia ser outro o motivo senão aquele ébano que a acompanhava, o verdadeiro responsável por toda aquela alegria.
Deixaram o Studio por volta das onze e após a ruiva pagar pelo trabalho de Veronika, o casal deixou o local, prometendo voltar com uma amiga Chilena que também estaria interessada em uma pintura.
Muito cansada, resolveu acomodar-se no andar superior do sobrado, onde havia uma velha escrivaninha com uma antiga máquina de escrever que pertenceu ao seu avô paterno, um lavatório de louça branco, um banheiro pequeno com azulejos verdes e um sofá no canto da janela, ao lado da escrivaninha. Após alguns goles de vinho que havia deixado da última garrafa que abriu, procurou por mais cigarros e desistiu após a exaustão que lhe açoitava os braços. Apagou as luzes, deixando somente o abajur aceso, adormecendo em questão de segundos. Sentiu-se presa, deveria ser um sonho irritante, mas não conseguia mover os braços ou desvencilhar as mãos que estavam amarradas por um lenço azul. Era ele. Não estava sonhando. O que fazia ali tão cedo? Adormeceu ou ele a mantinha em cárcere desde a noite anterior. Havia bebido vinho, mas não o suficiente para se embriagar ao ponto de perder a memória. Abriu os olhos e não era um sonho. Era real. Podia reconhecer aquele sorriso em qualquer lugar do planeta. Contemplou o olhar intrigante do Francês e pensava como nunca havia visto aquele Deus negro nas ruas de Paris. Ele a segurava pelos cabelos e ela não oferecia resistência. Ele a beijava dos pés à cabeça e ela se entregava naquele ritual, permitindo que ele satisfizesse todos os seus desejos. Amaram-se por horas sem parar e vestiram-se, depois de muitos abraços carinhosos. Ela descobriu o que aquele homem queria com ela, depois daquele olhar intrigante da noite anterior. Ele puxou um maço de cigarros de canela e envolveu-o com uma de suas mãos, agora já desamarradas. Sentaram-se no chão, abaixo do sofá marrom e conversaram pouco. Ele disse apenas que havia deixado café na escrivaninha e desceu as escadas, alcançando o portão cinza.

Passaram-se sete anos e Veronika nunca mais encontrou aquele Deus ébano. Jamais voltou ou deu qualquer telefonema, deixando-a confusa se o que aconteceu foi sonho ou realidade.

Com o passar do tempo, conseguiu mais clientes, entretanto a ruiva não voltou com a amiga, como prometera.
E como de costume, sentou-se na escada para fumar o seu preferido de canela. Quando se preparava para subir ao segundo andar, ouviu uma voz feminina com sotaque estranho a chamar por fora do portão cinza. Abriu a portinhola e uma mulher baixa, de cabelos pretos, com olho puxado, vestindo uma saia longa vermelha e botas pretas, perguntou: - Por favor, é aqui que se faz pintura íntima? – Veronika respondeu que sim, já indagando de quem se tratava. Ela disse ser chilena, que seu nome era Shien Lee e que veio por indicação de uma amiga colombiana chamada Maria Claudia Rodriguez. Veronika acenou com a cabeça e abriu o portão. Seus lábios pareciam transparentes, suas pernas ficaram bambas e sentiu que seu olhar a denunciava naquele momento. Pensou que fosse desmaiar e tudo voltou em sua mente como num passe de mágica. O cheiro do ébano, as mãos que envolveram seu corpo e retornando do transe convidou-a para entrar. Entraram no Studio e a mulher muito tímida despiu-se, deixando cair um lenço azul de dentro de sua blusa, fazendo com que Veronika parasse. Naquele exato momento pôde fitar o lenço azul. Pegou-o nas mãos trêmulas e levou-o até o nariz. Sentiu o inesquecível cheiro por alguns instantes, deixando dúvidas para a chilena que a assistia com olhar assustado e resolveu quebrar o ritmo do espetáculo dizendo: – Um amigo que conheci. Ele gostava de usar esses lenços. - Tratou de fingir para a moça que imediatamente indagou: - Esse seu amigo por acaso é um francês chamado Jean Pierre? – Não. Ele é da Grã-Bretanha e se chama Edgard Grumm. - Respondeu sem hesitar.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cruel incerteza






Já estávamos no fim do expediente quando peguei minha pasta para ir embora, mas Samuel e Anderson não me deixaram sair. É que a turma lá da repartição, um bando de advogados em busca de diversão para uma sexta-feira tumultuada no escritório resolveu me levar para uma boate no centro da cidade. Falei que não gostava e boates e que preferia tomar um chopinho no boteco da esquina, mas eles insistiram e não tive opção. Lá fomos nós para um inferninho com o nome de "Gandaia". Logo na entrada me espantei com os tipos que entravam e saiam, abraçados com mulheres, pelo menos era o que parecia. Samuel me tranquilizou dizendo que nem todos eram obrigados a sair com as mulheres, me relembrando que estávamos alí para apenas uma curtição e só iríamos beber e dançar, além de dar boas risadas. Lá pelas dez eu já estava sem o paletó e nem sabia onde havia ido parar a minha gravata, já estava alegre e sorridente e sem largar o copo por um minuto, o qual Samuel fazia questão de não deixá-lo vazio. Meio tonto, mas ainda enxergando bem, avistei uma morena de parar o trânsito, ou melhor, a boate. Era uma dessas gatas que a gente nunca esquece. Pernas longas e grossas, coxas carnudas e um quadril fenomenal. A gata dançava uma dança extremamente sensual e me deixava louco só de olhar aquela cinturinha girando e girando e me trazendo ao total desatino. Já não era dono de meus desejos e fui em direção àquela mulher maravilhosa, mas senti que algo me segurou pelo braço e me puxou e nesse momento pude ouvir a voz de Samuel dizendo para não fazer isso, ou teria que levar a gata comigo. Era assim que funcionava o negócio, o homem escolhia a mulher do show e a puxava do palco e os dois passavam a noite juntos. E eu na maior inocência, pretendia apenas dar uns apertões naquelas coxas. Samuel não parava de gozar da minha cara e Anderson o acompanhava dando altas gargalhadas e os dois me perguntaram se eu não havia reparado em nada diferente e eu nem imaginando o que eles estavam falando, beberiquei mais um gole de cerveja. Os dois chegaram mais perto e falaram para eu ter mais cuidado e continuavam com as gargalhadas. Resolvi desconsiderar a gozação e cheguei mais perto da moça, com uma vontade imensa de tocá-la. Era a mulher mais linda do lugar e quando me viu fitando seu olhar abaixou-se e segurou a minha mão. Naquele momento eu gelei, imaginando que teria de sair com ela e eu já estava muito alcolizado, praticamente em estado de graça e jamais daria conta daquilo tudo naquela situação em que eu me encontrava. Percebi que ela não pretendia deixar o palco e apenas abaixou-se e me beijou a boca e o beijo não era de mentira, era molhado e sensual. Apaixonei-me perdidamente naquele momento e ela disse baixinho no meu ouvido para que eu a esperasse no final do show, colocando um papel em minhas mãos e voltou para o palco. Abri o bilhete e havia um número de telefone com o nome "Fabíola" escrito atrás. Todos me olhavam sorridentes e imaginei que gostariam de estar no meu lugar, mas senti um peso em minhas costas e logo vieram Samuel e Anderson me puxando para fora daquele lugar. Mostrei a eles o papel e me arrancaram da boate sob altíssimas gargalhadas e quando entramos no carro eles me contaram que aquela era uma boate de travestis e certamente levaria um baita susto se saísse com a tal gata dalí. Segundo eles, Fabíola se tratava de um homem e não uma mulher. Comecei a contradizê-los de que ela não era homem e eles afirmavam que sim. E disseram, em meio a enormes gargalhadas, que eu estava devendo essa para eles, afinal eles haviam me salvado de um verdadeiro desastre. Disse a eles que tinha certeza de que estavam enganados, mas eles nem ouviram, pois não conseguiam parar de rir. Naquele dia eu entrei em casa e me joguei na cama sem tirar os sapatos e dormi como uma criança, tão profundamente que sonhei com aquela linda mulher, Fabíola me beijando e me dizendo que eu era o máximo, mas meus amigos deviam ter mesmo razão. Aquela devia ser mesmo uma boate de travestis e eu teria me dado muito mal se tivesse saído com aquele traveco. Acordei e encontrei o tal bilhete no bolso da calça, joguei-o no sanitário.
Com a cara amassada, deu descarga e entrou no chuveiro, lembrando daquela noite em que pela primeira vez havia escolhido alguém, não o contrário. Ouviu o toque do telefone e logo depois uma leve batida na porta do banheiro. Em seguida sua mãe gritou: "É pra você Fabíola. Não se demore meu bem, o café já está na mesa e vai esfriar... você chegou muito tarde da boate ontem, isso não é emprego pra você, filha...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Por engano





Quando Clarice voltou de Belém, mal teve tempo de desfazer as malas e dar um beijo em seu marido e ele já tinha que voar, também a trabalho, para São Paulo. Passou longos cinco dias naquele lugar quente como o fogo, trabalhando no novo projeto da nova montadora para a cidade Paraense e, finalmente, teria alguns merecidos dias de descanso, enquanto Ivan viajaria para a cidade da garoa para participar de um treinamento pela empresa e só retornaria em dez dias. Pediu a Vanda, sua empregada, para arrumar a mala do Ivan, pois precisava ir a uma audiência a pedido de uma velha amiga, para testemunhar em seu favor numa antiga causa trabalhista. Na volta, passou na locadora e alugou alguns filmes e teve uma baita noite de amor, antes de ele pegar o vôo logo cedo no dia seguinte. Ivan deixou um bilhete colado na geladeira com alguns versos apaixonados e ela pensou como a vida de casados era boa e em nada se parecia com o transtorno de vida a dois que suas amigas relatavam na faculdade. Aproveitou o tempo para descansar e como boa carioca, pegou uma boa praia, leu bastante, um de seus passatempos prediletos e experimentou umas receitas novas de sobremesas, queimando algumas panelas e quebrando louças, para desespero de Vanda. E finalmente os dias se passaram rapidamente e apesar de saber que teria de voltar à labuta, estava feliz porque Ivan voltaria para casa e teriam algum tempo juntos, antes de recomeçar sua jornada de viagens pelo nordeste. A empresa estava implantando mais duas filiais, uma em fortaleza e outra em Maceió e precisaria contar com suas habilidades no projeto inicial. Pegou o carro na oficina e seguiu para o salão de beleza, precisava dar um jeito nos cabelos, retocar a raiz, fazer as unhas, depilação, essas coisas de mulher, antes de passar no aeroporto para buscá-lo. Ele chegaria no vôo das seis. Acenou para ele no desembarque e apanhou o carrinho de bagagens. Pegaram um enorme trânsito até cruzar a cidade. Chovia muito, mas, finalmente, Clarice conseguiu estacionar o carro na garagem e após um interminável e merecido banho, tratou de desarrumar a mala de Ivan, Vanda já havia ido para casa e ela precisava ajudá-lo com as roupas sujas, mas levou um baita susto ao abrir a mala, questionando-o: - Isso aqui não é seu, ou você muda de comportamento em suas viagens? – Estou casada com um travesti e não sei, ou melhor, eu sei exatamente do que se trata. Foram dez dias de muita luxúria e prazer com sua amante e essa e todas as outras viagens de negócios foram apenas pretexto para se encontrarem. Mas deixar a arma do crime para eu encontrar e nem se dar o trabalho, ou pelo menos ter o cuidado de escondê-la de mim. Ivan tentava se desvencilhar de alguns empurrões, explicando-se e afirmando incessantemente de que realmente não sabia como aquela bolsa de maquiagens havia ido parar em sua mala. De certo, algum engraçadinho da empresa estava tentando lhe pregar uma peça ou definitivamente queria lhe prejudicar. E mal conseguiu dizer essas poucas palavras e já foi recebendo socos e pontapés de sua amada mulher. Eram murros e arranhões, sem falar dos palavrões e agressões verbais, dizendo que não era idiota ou palhaça de circo para acreditar em estórias frágeis como aquelas. Apanhou toda a bagagem de Ivan e jogou escada abaixo, além de atear fogo na arma do crime, acendendo a lareira da sala. Ivan partiu para a casa de sua mãe, sem saber qual crime havia cometido e nem mesmo tinha álibi para uma possível defesa. Dona Sheila odiou a nora pelo acontecido, mas também tinha a pulga atrás da orelha. Não deixava de se perguntar se poderia ser mesmo verdade e seu filho o culpado. Afinal, ele era seu filho mas, como todos os homens que passaram por sua vida, talvez pudesse estar escondendo algo e quem sabe ter uma amante. No dia seguinte Clarice teria que voltar ao trabalho e passar na empresa para se apresentar, apanhar alguns contratos e redesenhar outros projetos, mas não tinha cabeça para pensar em trabalho. Não naquele momento em que sua vida amorosa estava em pedaços e seu casamento em crise. Não parava de pensar na traição de Ivan e como ele pôde fazer isso com ela, que sempre se dedicou tanto e jamais olhou para outro homem. Abriu a porta de sua sala e pôs a bolsa na mesa e sequer cumprimentou as pessoas em sua volta. Sentou-se e abriu o computador, checando seus emails sem qualquer entusiasmo, quando Kátia, sua colega de trabalho não escondendo sua preocupação com Clarice, perguntou: - O que há com você, Clarice? Está tão abatida e mal respirou desde que entrou aqui. Desabafe. O que está acontecendo? Algum problema familiar? Quer desabafar? E Clarice balançou a cabeça negativamente, pedindo apenas um tempo pra se recuperar e depois conversaria com Kátia, que respeitou o desejo da amiga e levantou da cadeira. Foi em direção à porta, mas lembrou-se de algo que precisava perguntar e retornou à mesa de Clarice indagando-a: a propósito, por acaso não encontrou nenhuma bolsa de maquiagens marrom escuro em sua mala? Estou procurando desde que voltamos de Belém. Pensei que pudesse ter confundido as malas quando dividimos o quarto na última viagem e... Clarice deu um pulo da cadeira e saiu feito louca. Pegou um táxi na porta da empresa, pedindo que voasse até o centro da cidade. Irritada com o trânsito guiou o motorista por um atalho e logo que chegou à porta do escritório de Ivan, saiu correndo pedindo para que o motorista a aguardasse. Subiu quatro andares pelas escadas, não havia tempo para esperar o elevador. Abriu a porta e sem paciência foi direto para a sala do marido, entrando sem bater e assustando a todos no recinto. Fechou a porta atrás de si e desabou a chorar pedindo a Ivan que lhe perdoasse, pois havia cometido um enorme equívoco. Tudo se ajeitou, Clarice acalmou-se e os dois fizeram as pazes. Ivan declarou seu amor e Clarice não cansava de pedir desculpas pelo desequilíbrio de chegar sem avisar e entrar daquela forma, mas que jamais poderia imaginar que a bolsa de maquiagem fosse da colega de trabalho, esquecendo-se completamente de que os dois dividiram a mesma mala, pois a sua estava no conserto. Com tudo finalmente esclarecido, entrou no taxi e voltou para a empresa. Subiu e apanhou sua bolsa para pagar a corrida, retornando a sua sala e em seguida ligando para o ramal de Kátia, que atendeu após alguns segundos. Disparou ela: - Acho que lhe devo explicações e por falar nisso, onde comprou aquele estojo de maquiagens, preciso comprar um igual...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Imã





Por Miriam Martins



Tem uma gata nova aqui no condomínio que sai todos os dias para levar o seu poodle para passear. Um Boeing 737 pra ninguém botar defeito, tipo essas mulheres de fechar o quarteirão. Nunca me deu bola. Passo do lado dela, olho, mas não mexo, apenas deixo o rastro do meu interesse por ela no ar. A gata é cheirosa e tem um corpão escultural, uma cintura de invejar qualquer mulher e uma barriguinha tanquinho, que mais parece ter sido fabricada em uma dessas academias de malhação lotadas de maravilhosas gatas.
Mas igual a essa eu nunca tinha visto. Não sei como consegue manter a bela forma, pois sempre volta do passeio com uma sacola da padaria, cheinha de pães fresquinhos.
Sei lá, vai ver toma soda cáustica, como diz o povo por aí...
O porteiro dá todo o serviço. Conta quando ela recebe amigos e que seu nome é Marina... Ah Marininha...
Eu fico sonhando com ela, mas ela parece me repudiar, como se eu não existo alí, e olha que eu faço questão de passar bem pertinho dela, cheio de vontade de dar uma cheirada naquele pescoçinho ou uma bitoca molhada naquela boca.
Até que ontem eu estava saindo de casa com Teresa, minha mulher e o Pablo, meu filho mais novo, quando tomei o maior susto.
A gata me fitou com olhos de águia e com aquele olhar de que quer arranjar encrenca. Teresa quase percebeu, não fosse eu disfarçar com uma conversa qualquer para distraí-la daquela difícil ocorrência.
Quem diria. Após esse episódio ela passou a me espreitar pelo bairro e até teve a ousadia de enviar um bilhete marcando um encontro para amanhã...
Se eu soubesse não teria escondido a aliança por tanto tempo.
Vai entender as mulheres!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Por fora bela viola...







Por Miriam Martins



Itamar era um cara meio introvertido e às vezes precisava de um empurrãozinho para conseguir sair com alguma gata. Um dia desses estávamos tomando umas no bar do Valcir, quando apareceu a Lucinete, irmã do Jonas lá da farmácia. Ela chegou num maravilhoso vestido lilás, cheio de rosas na estampa e um decote que deixava qualquer um boquiaberto. Mas o que ninguém esperava era que ela viesse acompanhada de uma tremenda gata. Uma morenassa de um metro e setenta de pura saúde. Pernas grossas e muito bem torneadas, coxas perfeitas dentro de uma mini saia branca e mini blusa amarela, que segurava uma farta comissão de frente. O bar todo se levantou quando a morena cruzou a porta de entrada. As duas ficaram sozinhas numa mesa no canto e ficamos com os olhos bem grudados nelas. Lucinete me reconheceu e eu a cumprimentei na esperança de que nos apresentasse a tal gata. Perguntei se não queria juntar-se a nós e ela agradeceu, mas preferiu não aceitar, com a desculpa de que aguardavam amigos.
Após muitas geladas e petiscos, constatamos que as duas tinham levado um baita bolo dos amigos e lá pelas tantas enviamos uma bebida de cortesia e um bilhete pelo garçom. As duas acabaram cedendo, aceitaram o convite e finalmente juntamos as mesas. Conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo que a gata, Karen era o seu nome, havia ficado de olho no Itamar, logo em quem. O cara mal conseguia dar aquela olhada quando elas viravam de costas que ficava todo vermelho e eu empolgado acabei engrenando um papo gostoso com a Lucinete. A gata até que tinha um papo interessante, mas passava longe de ser um avião, um teco-teco, talvez e fui ficando por ali. De vez em quando dava um click nos dois pombinhos ao lado e percebi que a coisa estava ficando séria. Itamar pegou na mão da moça. Olha só, quem diria, o cara era mesmo um cavalheiro e até ajeitou a cadeira quando ela retornou do toilete. Bebericamos mais um pouco e Lucinete pediu-me que a levasse em casa e como o clima entre o casal estava esquentando, resolvi pagar a minha parte da conta e deixar os dois ali, na maior sintonia. Eu cheguei a duvidar da capacidade do meu amigo de conquistar as mulheres, mas pelo que vi, os mais tímidos é que se dão bem, porque pelo visto a mulherada adora esses tipos. Corri para casa, após deixar a Luci no portão de casa e antes que pudesse pintar algum clima e rolar algo mais do que uma simples noite de bate-papo, tratei de me despedir alegando que precisaria acordar muito cedo no dia seguinte e fui embora, doido pra saber qual seria o desfecho do fim de noite do mais novo casalzinho da praça. Até que o Itamar era um cara bem pintoso e costumavam dizer que se parecia com algum galã desses de novela, mas eu não me lembro qual. Pelo que ele contou e eu até hoje ainda duvido se foi realmente verdade ou se o cara amarelou e veio com desculpas. Disse que a gata deu pinta de que tava mesmo a fim e depois de alguns beijinhos no cangote e altos amassos na saída do bar, seguiram para um motelzinho na avenida principal. Trocaram mais beijos e carícias quando a morena deu um pulo e disse que precisava ir ao banheiro antes e assim o fez. Passou-se algum tempo e Itamar já estava ficando nervoso, todo preparado para arrasar e fazer bonito para a morena e nada. Começou a ficar preocupado, talvez ela tivesse bebido além da conta e estava passando mal, já pensou como faria para explicar uma mulher desmaiada no banheiro do motel. Começou a transpirar e a andar de um lado para o outro. Forçou a maçaneta da porta e estava trancada. Resolveu chamar e perguntar se estava tudo bem ou se precisava de ajuda e a gata limitou-se a responder que estava tudo bem e já iria sair. Ele então se animou. Talvez ela viesse com uma lingerie preta ou num espartilho ou quem sabe era sado e tinha algemas para colocar em seu pulso, não era muito fã, mas pela morena ele era capaz de tudo. Foi aí que ele se enganou. Alguns minutos depois a porta se abriu, com uma nuvem cinzenta atrás da morena que tinha o corpo completamente suado e nu. Um mau cheiro pairava no ar e contaminava todo o quarto. A gata tava podre. Tentou disfarçar e fechar a porta do banheiro, mas já era tarde. O futum já havia penetrado em todo o ambiente e ela muito constrangida disse que havia tido um desarranjo intestinal, mas que já estava melhor. O simpático cidadão murchou na hora. Tudo foi por água abaixo. Toda aquela eufórica ereção o abandonou, dando lugar à frouxidão e desespero. Não sabia se corria ou jogava-se da janela. Depois de despejar um caminhão de dejetos no sanitário, a mulher não teve a capacidade de se banhar e já saiu nua, pingando de suor e chamando-o de meu bem. O cara caiu fora na maior. Deixou o dinheiro do taxi, paguou a conta e saiu, com a desculpa de que sua mulher estava na maternidade e seu filho estava nascendo. Nunca mais ouviu falar da mulher e não tem mais visto a sua amiga Lucinete pelo bairro.
... de vez em quando encontro com o Jonas na farmácia e mando apenas lembranças, nada mais...